quarta-feira, 13 de julho de 2011

"No Coletivo" de Jonatas Onofre





As férias do meio de ano chegaram e com ela aquela necessidade de postar algo interessante construído no período de janeiro a junho. E, mais uma vez, para não se digitar tanta coisa, escolhi o tema Literatura. Óbviu que esta temática é global demais. Especificando melhor, trata-se de uma parte da avaliação da cadeira de Poesia, a qual paguei com o doutor César Giusti(UFPE). Antes de dar início à parte do trabalho, esclareço aqui que o mesmo está oficialmente tripatido. A parte aqui digitada se trata da segunda. Ou seja, frases sem coerência ocorrem no corpo textual já que têm íntima ligação com os demais segmentos do texto. O tema também vale a pena ser discutido. Giusti pediu que se fizesse uma análise de um poema ( a critério do aluno). Diferente de 95% da turma que decidiram analisar a letra de músicas (paraliteratura), eu fui no fluxo contrário e dicidi abordar a poética de um escritor praticamente desconhecido dos intelectuais pernambucanos. A razão da escolha foram duas, a primeira pautada no tão clicherizado tema de "existe ou não existe literatura na música popular?" Nada me agradaria pegar uma música e analisá-la pois é fato que existe literaturidade - relembrando Roman Jokobson - na música, quando de qualdiade. A poesia não está só na Literatura. E a segunda razão é o quanto me incomoda ler grandes escritores, com uma arte impressionante, serem eclipsados por uma crítica que pouco se interessa pela literatura feita na favela, universidade, recitais. Assim sendo, o texto a seguir faz parte de um todo chamado "Manuscrito Ignorado: uma análise acerca do poema "No Coletivo" de Jonatas Onofre". Sabido disso, Jonotas Onofre é um desses poetas que escrevem com uma técnica não muito diferente dos grandes poetas, mas que, por razões diversas, ainda está na caverna da Literatura Pernambucana.




Boa leitura!



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Análise do Poema





No Coletivo



O tomar-se, entrar-se ônibus,



Abrir-se risco de contato,



é sempre tensão resumida



num medo, calado do íntimo






De jogar-se no coletivo,



mergulhar-se nos outros, dar-se



ao toque e assim afogar-se,



imergir-se por entre outros;






De mirar-se no coletivo



e mirando-se refletir-se,



encadear-se nos espelhos



que são os outros; De lançar-se






num pele contra-pele, rasgar-se



nos outros, esfolar-se todo;



Deformar-se no coletivo,



gastar-se, fundir-se nos outros.




Um dos maiores problemas em ser um artista da palavra é somar a influência de poetas admirados e criar uma arte não com a cara de seus ídolos, mas com um toque distintivo entra a poesia de um e de outros. Ser poeta é, antes de tudo, legitimar-se, e esta legitimação está atrelada a uma unidade coletiva de poesia. Sendo o poeta um, a poesia feita por este engloba um sentimento coletivo. É o que o poeta modernista Carlos Drummond de Andrade (2004) sinalizou no "Poema de Sete Faces": "Tenho duas mãos e o sentimento do mundo". E isso é corroborado pelo poema "Procura da Poesia" do mesmo poeta, talvez um dos maiores tratados do fazer poético, quando este diz que " o que falas e sentes isso ainda não é poesia". Mas pode vir a ser. E essa desinstalação de um escritor comum para um artista da palavra, passa, sem sombra de dúvidas, pela leitura e exercício da poesia. Porém, como já se percebeu pelos exemplos citados, ter a técnica da palavra, coletivizar uma reflexão do mundo e, assim, legitimar, não é o suficiente para um campo cultural que pouco se interessa pelo estudo da poesia encontrada nas favelas, becos, universidades. Iniciemos, pois, a análise do poema.




"No Coletivo" se configura com um poema formado por desesseis versos predominantemente octossílabos e sem rimas, divididos em quatro estrofes. A fim de observar o ritmo do poema, segmentaresmo seus versos:

O / to / MAR / -se, / en/ TRAR /-se / Ô /ni /bus,



a /BRIR /-se / RIS /co / de / con /TA /to,



é / SEM /pre / ten /SÃO / re /su /MI /da



num / ME /do, / co / LA /do / do / ÍN /ti /mo







De / jo /GAR /-se / no / co /le /TI /vo,



mer /gu /LHAR /-se / nos / OU /tros, / DAR /-se



ao / TO /que e / as / SIM / a/ fo /GAR /-se,



i/ mer /GIR /-se / por / EN /tre / OU /tros;






De / mi /RAR /-se / no / co /le /TI /vo



e / mi /RAN /do /-se /re /fle/ TIR/ -se,



en /ca /de /AR /-se / nos / es /PE /lhos



que / são / os / OU /tros; / De / lan /ÇAR /-se






num / PE/ le / con /tra-/ PE/ le,/ ras /GAR/ -se



nos / OU /tros,/ es /fo/ LAR/ -se / TO/ do;



De /for /MAR/ -se/ no /co/ le/ TI/ vo,



gas /TAR/ -se,/ fun/ DIR/ -se/ nos/ OU/ tros



A primeira coisa que pula aos olhos do leitor é a recorrência da partícula "-se". Ou seja, verbos de ação realçados por este pronome. No entanto, estes verbos não querem apenas indicar um ato exercido e sofrido pelo sujeito, mas também "anonimar" o alvo da mensagem. O não aparecimento de uma referência para quem apontar a semântica dos verbos, ou seja, o sujeito oracional, corrobora esse anonimato. A poesia funciona como um veículo que percorre um caminho pré-estabelecido, do autor para o leitor. O primeiro constrói o veículo, o segundo dá o acabamento final. O que é muito relevante se observar aqui é que não existe um sujeito delimitado, marcado pela voz poética. Ou seja, esta fala para um remetente não marcado no texto - sem sexo, sem cor, sem nada, somente um ser caótico perdido num mundo individual e com cede de sair desta solidão para invadir um lugar completamente contrário a este, o coletivo. O leitor é convidado, através de como as expressões verbais se apresentam no corpo do poema, a navegar na dicotomia privado-coletivo o qual ele sugere. Igualmente, observando-se com mais clerividência esse conjunto de verbos, e o chamo de conjunto por formarem em cada estrofe uma relação íntima de sentido, perceber-se-á que "tornar-se", "entrar-se", "abrir-se" exige daquele que vivencia essa poesia, sair de um estado para outro. "Tornar-se" nada mais é que sair de um estado A para B; o mesmo está para "entrar-se", o qual também remete á idéia de se deslocar de A para entrar em B; "abrir-se", sair do fechado A para o aberto B. Ainda assim, os três verbos associados à partícula "-se" gera a sonoridade aliterativa, uma vez que o som [s] é ecoado nos verbos seguintes. Assim, quando cessado a reiteração do "-se", entra em cena seu eco. Logo, acontece no terceiro verso "é sempre tensão resumida". O mesmo fenômeno está no segundo e terceiro versos da segunda estrofe "mergulhar-se nos outros, dar-se / ao toque e assim afogar-se". o eco do "-se" somente é ceifado no último verso da primeira estrofe, este dotado de um obscurantismo próprio do universo interno do ser humano, "num medo, calado no íntimo".


A segunda estrofe, e essa já dá início a enumeração do motivo pelo qual se tem "medo", apontado no último verso da primeira estrofe, abre o leque da fobia e, caso as ações verbais sejam realizadas, sua consequência. A primeira razão é apresentada por mais um verbo de ação e um pronome oblíquo que o realça, "jogar-se no coletivo". E a enumeração continua: "mergulhar-se nos outros", "dar-se ao toque" e, como consequência da realização daquilo que se tem medo "afogar-se, / imergir-se por entre outros". Mais uma vez, e isso é uma constante em todo o poema, o sentido de mudança de estado está presente nas semânticas verbais. O mesmo ocorrerá na terceira estrofe. Ela é iniciada com mais uma enumeração daquilo de que se tem medo relatado no verso final da primeira estrofe: "De mirar-se no coletivo", mais uma vez, a consequência desse "mirar-se" é relatada em seguida: "e mirando-se refletir-se". O "refletir-se" que vem caminhando pelos modos verbais desde o início da análise, capaz de sugerir a reflexão especular. Essa ação e reação (especular) expressa tão fortemente no dissecar do poema ainda remete ao "mirar-se", à imaginação naquele coletivo. Dessa vez, mais que em todo o corpo poético aqui analisado, aparece a palavra que parece sintetizar todo o sentido do poema, "refletir-se", como se o sentido do verbo, sem o pronome oblíquo não já fosse o suficiente para gerar a ação e reação verbais e ainda ratificados pelo "encandear-se nos espelhos". Há, neste trecho, a menor distância entre o "eu" descrito pela voz poética e o mundo desejado, o do coletivo. Entretanto, esses espelhos não são o próprio ser que inspirou essa voz poética, mas são espelhos "que são outros". Em outras palavras, não existe aqui um reflexo que bate e volta em sentido contrário (voz poética- "eu"), mas que, antes de tudo, refrata, desvia seu sentido não mais para o alvo de onde veio, porém para "os outros". É a refração que deforma, se gasta nos outros. Pela razão do "refletir-se", o qual nem sempre é para o foco, mas para os lados representado pelos "outros", é que o alvo dos verbos, como já fora citado, exerce ou recebe a ação indicada por eles. Segundo Jorge Luiz Borges os espelhos são abominações, uma vez que o número de homens é multiplicado. E essa pluralização do homem leva, no caso do poema onofreano, a parceber-se como um "eu", num universo contrário ao "eu", de "nós", os outros. Diferente de Jorge Luiz Borges, Evaldo Coutinho diz ser o espelho, por mais que abominável, como dito por Borges, efêmero. Ele, o espelho, é fatalizado pela duração do tempo de exposição diante dele. Em outras palavras e retornando para o poema de Jonatas Onofre, existe esse "eu" o qual tem medo de refletir-se nos outros, logo essa reflexão acontece só no plano do "querer", e pode sinalizar, ainda, que é passageira - pautada que está no tempo do poema. E, como se a fantasia não bastasse, o "eu" observado pela voz poética não se encontra nessa imagem refletida nos outros. Está sempre aquém do mundo desejado, fechado que está num mundo todo seu e limitado.


Por fim, o último verso desta terceira estrofe é finalizado pela expressão "De lançar-se", somente complementado no seu sentido pela leitura do primeiro verso da última estrofe: "num pele contra-pele". Esse enjambement - complementação do sentido do verso somente com a leitura de seu sucessor - separa, em quadras diferentes do poema, o seu ápice, o momento de explosão. O "medo" e o "abrir-se risco de contato" indicados na primeira estrofe têm nesta derradeira a sua concretização. O contato passa agora a ser tão imaginário quanto o restante do poema: "pele contra-pele", "rasgar-se nos outros, esfolar-se todo;/ deformar-se no coletivo, gastar-se, fundir-se nos outros".


Saídos de uma interpretação lectural para um entendimento global do poema a partir do título, o que se vê é uma poema intrigante. Quem estará no coletivo? Quem pode ser esse eu-social? As respostas a essa pergunta não são reveladas no poema por poder ser qualquer um que leia estes dezesseis verbos (sentimento plural) de Jonatas Onofre. O título ainda sugere o coletivo como aquele que faz a circulação de pessoas, o ônibus, expresso no primeiro verso. Esse alguém que tem a necessidade de "tomar-se" ônibus, e, o que parece mais absurdo ainda do ponto de vista do sentido literal:"entrar-se ônibus". Não sendo possível isso no plano real, entra o conotativo (específico da lingagem poética, mas não só ele). A plasticidade semântica do tomar e entrar ônibus é por esta vontade introspectiva de sair da redoma espritual no qual se encontra, isolado de tudo e todos para participar do mundo que cerca este ser. E, de fato, o ônibus representa a metáfora da aglomeração de pessoas, figurando, aí, o medo, que cala no íntimo, indizível, inefável, silêncio. Ainda assim é um medo de invadir esse coletivo, de se doar para o mundo em detrimento de um isolamento ilógico e regado a medo. A retração nesse submundo da alma não tem somente receio de sair desse universo de individualismo para o coletivismo, mas, diferente do medo, liberta-se no pensamento, imaginar, para citar Manuel Bandeira, "a vida que poderia ter sido e que não foi", o se tornar coletivo. Essa imaginação pode levá-lo(a) a "refletir-se" e mostrar o poço escuro no qual está. Ou seja, não há só alguém com medo de um mundo segundo, mas também de perceber e clarear o obscurantismo do mundo primário com seus defeitos e caos. O medo do novo. Por fim, a última estrofe, já premeditada pelas anteriores, demonstra toda a possibilidade de cede para o encontro do mundo exterior, viver agora "num pele contra-pele, rasgar-se / nos outros, esfolar-se todo; / Deformar-se no coletivo, / gastar-se, fundir-se nos outros", como, em um só momento, aproveitasse tudo o que pudesse, mesmo que no campo da ilusão, daquele mundo atraente e do qual nunca esteve, numa espécie e João Gostoso bandeiriano o qual, em uma única noite, "Bebeu / Cantou / Dançou/ Depois se jogou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado." O João ( ou seria Maria?) ainda está no falso mundo da individualidade, tão polissêmico quanto o título do poema, No Coletivo.


Isaac Melo



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Idependente da análise aqui feita, ela não esgota a multiplicidade de sentido que se pode extrair do poema de Jonatas Onofre. Esta análise e interpretação serve para guia da horizontes acerca da arte deste poema, sem, no entanto, limitar sem campo interpretativo.