quinta-feira, 4 de março de 2010

Contratando artistas e arquitetos

Tereza Halliday - Artesão de Textos


Passado o carnaval, ainda se comenta o despautério da escultura do Galo da Madrugada versão 2010, na Ponte Duarte Coelho. Magrelo que só modelo de passarela, parecia estar chocando sobre um farol marítimo - pilastra listrada de vermelho e preto. Decepcionou o imaginário de muitos foliões.
Uma representação de Jesus bem gordo ou um Buda bem megro revoltaria seus seguidores. Os seguidores do Galo o têm como venerável figura. Chegam às raias da adoração, Deus os perdoe. Não se deve, pois, brincar com símbolos fortes - religiosos ou não - sob pena de desagradar e ofender. Por outro lado, nenhum artista, criador, inovador pode agradar a todo mundo. O criador do Galo 2010 sofre a celeuma em torno de sua criação. Todo artista quer ser elogiado - é natural. Quando não o é, sente-se um incompreendido. Tudo o que o artista do Galo queria era expor a beleza encarnada em sua concepção pessoal de galináceo, dar prova de sua criatividade e labor naquela escultura gigante cuja imagem ganharia os mundos da internet.
Mas, o sucesso e o agrado não acontecem por tabela, só porque o artista tem fama de bom. As edificações cilíndricas de Oscar Niemeyer no Parque Dona Lindu que o digam. Parecem ter sido projetadas para ser vistas de alto, ou contempladas em miniatura, numa maquete. Ao rés-do-chão, foram apropriadamente interpretadas pelos olhares dos passantes como feiosas caixas d'água ou banais tanques de petróleo.
Esse descompasso entre resultado e expectativas acontece com frequência. É preciso o maior cuidado com encomendas de trabalhos a artistas, arquitetos, ambientadores. Com o financiamento do cliente, eles buscam realizar seu sonho pessoal de criação, sua "viagem" estética. Não raro, ignoram gostos e necessidades do contratante. Ficam tão apaixonados por sua própria visão do belo, que esquecem de compatibilizar forma e função. Os resultados, às vezes, são desastrosos: no restaurante de luxo, lindas cadeiras desconfortáveis; no edifícil público, escadas fenomenais sem segurança; no prédio do condomínio, vidraças magníficas dificílimas de manter limpas; na parede do apartamento, o quadro deprimente, por ordem do arquiteto; no carnaval, a escultura de uma galo magro quando um gordo tradicional era o que agradaria aos pagantes do imposto que pagou a obra.
O significado emocional de uma obra artística não é o mesmo para todo mundo. Quando o artista contratado tem a sensibilidade e o bom senso de mesclar sua criatividade com a história e necessidade do freguês, é gratificado com reações de maravilhamento: "Era exatamente o que eu queria" , "Ficou mais bacana do que eu imaginava". Encomendas a artistas, arquitetos e quejandos exigem muito entendimento, paciência e gentileza entre as partes; arrogância de lado a lado é prejudicial. E o contratado tem a missão de usar sua genialidade para amarrar o burro onde o dono sonha. Do cantrário, pode dar zebra.

2 comentários:

  1. Poxa, eu até achei o galo feinho, mas não sabia que havia acontecido tamanha celeuma.

    De qualquer forma, toda a exposição de idéias foi excepcional. Não dá para não concordar com cada palavra dita. Ou escrita, como queira. Fazer algo sob encomenda é mesmo um desafio e tanto. Costuma ter um "Q" de apavorante, e outro de estimulante, e, se o artista ganha liberdade demais, o primeiro elemento termina se sobressaindo, pois não há como saber o que deseja quem encomendou a obra...
    De qualquer forma, encomendas são desafios, e desafios são algo positivo para o espírito criativo. Se o galo magrelo sobre o farol de quinta não agradou à maioria, paciência. Já foi! Cumpre às autoridades, trabalhar para que não se repita. Ou à sensibilidade do artista que o construirá no próximo carnaval. Que façam um grande galo, gordo e pronto para o abate!
    Parabéns pela magnífica crônica!

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  2. Ah, acabo de perceber, o texto é de Tereza! Pensava ter sido seu... Bem, sustento as minhas palavras. Parabéns à autora, por escrever, e a você por publicar. Textos bons devem ser publicados, não?

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